Vicariato Episcopal Norte




quinta-feira, 11 de agosto de 2011

INICIAÇÃO CRISTÃ


INICIAÇÃO CRISTÃ
* Padre Vanildo de Paiva

1. A URGÊNCIA DE UM PROJETO SÓLIDO DE INICIAÇÃO CRISTÃ

Vivemos em um tempo de mudanças velozes que traz a todos a sensação de relatividade da vida, de caducidade de todo conhecimento dito definitivo, de instabilidades quanto a valores e princípios existenciais e éticos, de incertezas quando ao futuro da humanidade e do planeta. A globalização em todas as suas dimensões, o avanço desenfreado da técnica e do mundo virtual, as pesquisas e descobertas científicas, o descontentamento em relação aos sistemas de governo e econômicos, as grandes convulsões sociais, se, por um lado, trazem um forte apelo ao ser humano para que assuma e se assenhoreie de sua história, acredite no seu potencial e conquiste um mundo melhor, por outro lado coloca este mesmo ser humano num chão de inseguranças e confusão. O medo, a decepção com as lideranças, a desconfiança em relação a tudo o que se apresente como definitivo e absoluto, a fragmentação da realidade em detrimento da visão de um todo unificado, são algumas das atuais características que marcam o homem “líquido”, que vive numa época “líquida”(Z. Bauman), carente de sentido e em busca de realização.

Neste contexto complexo e plural situam-se os adultos e crianças, “ovelhas sem pastor”(cf. Mc 6,34) aos quais o Senhor continua enviando os seus discípulos missionários: “Ide antes às ovelhas perdidas da casa de Israel”( cf. Mc 10,5-6). São eles, principalmente os adultos, os destinatários e também sujeitos da evangelização hoje. São eles que, junto aos inúmeros questionamentos por conta do momento histórico que vivemos, querem também respostas a questões profundas relativas à sua sede de sentido e realização para a vida. São eles que buscam, muitas vezes até sem saber que o fazem, um encontro com o Único capaz de lhes preencher o coração, como um dia Ele fez à Samaritana, ao dizer: “Sou eu, que estou falando com você!” (Jo 4,26).

Grande parte dessas pessoas não foi, de fato, evangelizada, ainda que já tenha ouvido falar de Jesus. A maioria recebeu um “verniz” de Evangelho, que não lhe chegou ao cerne, por conta de uma catequese intelectualizada e moralista, com pouca ou nenhuma repercussão na vida cotidiana. Na visão de muitos, a Igreja tornou-se um grande pronto socorro, ao qual se recorre na hora de uma aflição ou necessidade, tendo o padre como agente credenciado para lhes oferecer remédio e cura imediata, através de um sacramento visto de maneira mágica, de uma bênção ou de uma graça a ser negociada com seu santo predileto. Sem contar aqueles que se desencantaram com a Instituição ou, por vários motivos, se afastaram (ou foram afastados!) dela...Um grande leque se abre, apontando para tantas direções de adultos que, ainda que não peçam, precisam de uma resposta eficaz e séria da Igreja, que supere em muito a maquiagem dos “cursinhos intensivos” para Sacramentos.

2. O MODELO CATECUMENAL

Nesses quase dois mil anos de missão, a Igreja foi tentando se adaptar as exigências de cada época, ora com mais eficácia, ora com parcos resultados. O catecumenato, processo catequético de iniciação dos primeiros séculos, foi uma maneira muito criativa encontrada para responder às urgências da época, tornando-se “verdadeira escola de fé” (cf. DGC 130). Hoje ele é proposto pela Igreja como modelo, visto apresentar elementos muito importantes, que, adaptados à nossa realidade, podem contribuir eficazmente na elaboração de itinerários próprios para cada contexto, para repensarmos o processo evangelizador e catequético atual. É importante ressaltar que a ideia de “modelo” apresentado pelos Diretórios Geral e Nacional de Catequese, bem como por outros documentos, não significa que se deva impor a mesma metodologia dos primeiros séculos, mas que o catecumenato antigo sirva antes de inspiração, leve-nos a uma mística, a um estilo iniciático de encontro e introdução da pessoa no mistério de Cristo, para que alcance a maturidade da fé e possa dizer, como concluiu o apóstolo Paulo: “Já não sou eu mais que vivo; é Cristo que vive em mim!” (Gl 2,19).

3. A INSPIRAÇÃO CATECUMENAL

Mas, que elementos são esses? O que podemos aprender com as primeiras comunidades e experiências cristãs? Em que o catecumenato primitivo pode nos inspirar? Estas perguntas não têm respostas acabadas. A reflexão atual da Igreja, também no Brasil, tem apontado pistas bastante interessantes para iluminarmos nossa catequese, especialmente com adultos, aos quais todos os esforços devem ser envidados, visto serem eles os destinatários prioritários da ação evangelizadora da Igreja. Podemos citar alguns desses elementos:

a) Passagem de uma catequese sacramentalizadora para uma catequese evangelizadora

Enquanto insistirmos numa catequese com finalidade somente sacramental, “para” a primeira Eucaristia ou Crisma, não daremos conta de uma realidade muito mais ampla que nos desafia e questiona: uma multidão de pessoas que busca e necessita de um encontro com a Boa Notícia da Vida e do amor, de uma experiência com o Cristo que possa suportar uma vida inteira, numa fé madura e comprometida com o Reino. Se o foco for apenas sacramental, a maior parte das pessoas continuará à margem da vida eclesial, por não se enquadrarem em nossos critérios e “pacotes” canônicos e pastorais! Isso não significa que os Sacramentos não tenham o seu lugar, mas este não será o de meta ou ponto de chegada!

b) Cristo como centro e referência da catequese

Apresentar a pessoa de Jesus, sem maquiagem e fundamentalismos, como sentido máximo para a vida, muito além da Instituição, é fundamental! Proporcionar o encontro com Ele e a experiência do seu amor...Isso exige uma catequese mais “enxuta”, voltada para o essencial, despojada de tantos conteúdos e temas que podem ser compreendidos ao longo de toda a vida cristã.

c) O papel fundamental da comunidade cristã

A comunidade está ausente dos nossos atuais itinerários catequéticos. Não podemos nos esquecer de que ela é fonte, conteúdo, agente e ponto de chegada do cristão iniciado e maturo no testemunho cristão. É ela que acolhe, motiva, ajuda e testemunha a fé no cotidiano dos catequizandos em processo de educação da fé.

d) A interação Catequese-Liturgia

No início do cristianismo não havia compêndios e livros catequéticos. Rezava-se o que se acreditava. Acreditava-se no que se rezava. A liturgia era e precisa continuar sendo formadora e educativa do cristão, ainda que sua natureza seja celebrativa e não discursiva. O jeito de celebrar, os elementos simbólicos e rituais, a Palavra e boas homilias formam eficazmente o cristão.

e) O acompanhamento personalizado

Ainda que demande um número maior de pessoas disponíveis para a tarefa catequética, vale a pena investir num acompanhamento personalizado dos catequizandos, visto que cada um tem um ritmo, uma experiência de vida e uma cosmovisão diferente do outro. Atente-se, entretanto, para não particularizar radicalmente a caminhada, perdendo-se, assim, o vínculo essencial com a comunidade.

f) O envolvimento da família do catequizando

É na família que o catequizando convive boa parte de seu tempo e é lá que preferencialmente se dará o testemunho cristão. Descobrir meios para envolver e atingir a família daqueles que são acompanhados no processo catequético é de grande importância.

g) Catequese a partir da vida e para a vida do catequizando

O ponto de partida da catequese não é o livro, nem as definições teológicas, mas sim a vida do catequizando. O acompanhamento personalizado e o bom senso do catequista permitem uma consideração do catequizando a partir de seu contexto, de sua realidade social, econômica, política, cultural, religiosa, existencial...Se a catequese não incidir na vida, não transformá-la, se envidarão esforços por quase nada!

h) Processo gradual e permanente

O processo catequético precisa respeitar o desenvolvimento natural da pessoa, em seus aspectos essenciais. Absorver certos conteúdos fortes e relevantes demanda tempo, paciência, construção diária, foco no essencial. Por isso fala-se de catequese permanente, desde o útero materno até a hora da morte!

i) O lugar essencial da Palavra de Deus

A Palavra de Deus, escrita na Bíblia e na vida, precisa ocupar um lugar de destaque na catequese, pois a sua meditação ajuda o catequizando a perceber a história de salvação que continua hora e a presença constante do Deus na vida na sua história pessoal, com força de libertação.

j) A unidade teológica dos Sacramentos de Iniciação Cristã

Se cronologicamente dificilmente se conseguirá uma unidade dos Sacramentos de Iniciação, importa que o catequizando perceba a unidade teológica que há entre eles, não fragmentando as vivências sacramentais ou isolando um do outro, sob pena de vincular-se efetivamente a nenhum deles e empobrecer a vida cristã.

k) Compromisso Sócio-transformador

O princípio de interação Fé-Vida, fundamental característica da Catequese Renovada, na mais fiel tradição da Igreja latinoamericana, é princípio que deve iluminar todo itinerário de iniciação cristã, garantindo que a opção preferencial de Jesus Cristo pelos pobres e marginalizados seja sempre atualizada e assumida no testemunho do cristão amadurecido e implicado com sua fé. É na vivência do compromisso sócio-transformador da sua realidade que o iniciando ( e iniciado!) vai dando sinais de adesão a Jesus Cristo e ao seu projeto de justiça, vida e fraternidade, especialmente em nosso continente marcado pela exclusão social e desrespeito à vida de tantos irmãos empobrecidos, muitos na linha de miséria. Ênfase seja dada à defesa da qualidade de vida no planeta e a ações transformadoras que garantam ao ser humano a dignidade e à vida em plenitude.

l) Educação para o Ecumenismo e para o Diálogo Religioso

Em um mundo globalizado e plural, no qual a diversidade é cada vez mais entendida como valor e riqueza, é de grande importância que o cristão maduro na fé assuma atitudes de respeito e valorização das diferenças individuais e de grupos, especialmente religiosos. O processo de iniciação deve colaborar na educação do cristão para que este saiba acolher o seu próximo sem preconceitos, abrir-se ao diálogo religioso e a perceber as sementes do Reino de Deus espalhados em todos os povos e culturas. Consciente de sua fé católica, mas sem fundamentalismos ou proselitismos, a pessoa que trilha o caminho da iniciação cristã é o homem/mulher da paz, do entendimento e, sobretudo, do amor que a todos aproxima, muito além das divisões sociológicas ou culturais da religião ou de qualquer outro partidarismo.

Pe. Vanildo de Paiva
catequeseebiblia.blogspot.com

A MISTICA DO DISCÍPULO-MISSIONÁRIO


1. VOCAÇÃO DE PAULO
São três elementos que caracterizam a vocação no Novo Testamento:
- Encontro
- Chamado
- Reação

Jesus caminha à beira do Mar da Galiléia e vê Simão e o irmão deste, André, e, em seguida, os filhos de Zebedeu, Tiago e João. (Mc 1,16-20). Há um encontro, um chamado e uma reação ao chamado. O encontro se dá no contexto corriqueiro do dia-a-dia, em meio aos árduos trabalhos da pesca. Ao responder ao chamado de Jesus, deixaram tudo e o seguiram. O ENCONTRO COM JESUS foi tão profundo que deixaram a família, a segurança por um futuro incerto. Onde e quando terminará este caminho? Não o sabem. Estão apenas no começo, mas já sentem no fundo da alma que não haverá mais volta.

Na vocação de Saulo há os mesmos três elementos: o encontro, o chamado e a reação ao chamado, embora em circunstâncias bem diferentes. Em Atos 9,1-22, encontramos a vocação de Paulo. Jesus entra na vida de Saulo e o derruba, faz com que caísse por terra. Jesus o agarrou, o cativou, dominou, conquistou (Fl. 3,12). Não foi uma idéia, uma visão atualizada da conjuntura, uma nova compreensão da história, um estudo bíblico, que o levaram a abandonar o velho caminho e mudar de rumo na direção oposta. "Alguém" entrou em sua vida e causou um verdadeiro terremoto na sua existência. É uma pessoa que o chamou. O Documento de Aparecida n° 12 diz o seguinte: "A todos nos toca recomeçar a partir de Cristo, reconhecendo que não se começa a ser cristão por uma decisão ética ou uma grande idéia, mas pelo encontro com um acontecimento, com uma Pessoa, que dá um novo horizonte à vida e, com isso, uma orientação decisiva".

A luz que envolveu Paulo naquele meio-dia diante dos muros de Damasco, impregnou de modo indelével o sinal da presença do Cristo glorioso. Doravante dará testemunho do Senhor "Como se visse o Invisível" (Hebreus 11,27). Jamais esquecerá a hora de Damasco como João nunca esqueceu a hora em que pela primeira vez encontrou o Mestre. (Jo 1,39)

Santo Agostinho descreve a profundidade desse ENCONTRO: "Tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei! Eis que habitavas dentro de mim e eu, fora. E aí te procurava e lançava-me, nada belo, ante a beleza que tu criaste. Estavas comigo e eu não contigo. Seguravam-me longe de ti as coisas que não existiriam, se não existissem em ti. Chamaste, clamaste e rompeste a minha surdez, brilhaste, resplandeceste e afugentaste minha cegueira. Exalaste perfume e respirei. Agora anelo por ti. Provei-te e tenho fome e sede. Tocaste-me e ardi por tua paz".

A chave para compreendermos com que força o chamado do Senhor transformou a vida de Saulo está em 1Cor 9,16 "Evangelizar não é título de glória para mim, é, antes, uma necessidade que se me impõe. Ai de mim, se eu não evangelizar".

Paulo fala de sua missão de apóstolo como uma experiência de conversão, entrega total ao Senhor. Nada no mundo poderá separá-lo do Senhor. (Rm 8,35). Quem bebeu desta fonte, mergulhou neste amor jamais será o mesmo. "Tudo que para mi era lucro, tive-o como perda, por amor de Cristo" (Fl. 3,7). Esta é a mística da VOCAÇÃO de Paulo e não existe outra MÍSTICA a não ser esta que é capaz de motivar e sustentar a vocação do discípulo, do missionário, da missionária. "Por Ele, perdi tudo" (Fl. 3,8). Esta é a verdadeira e única base de toda vocação: "Por Ele", esta é sua mística e motivação existencial. Não tem como deixar este caminho, deixar de anunciar o evangelho, como diz a canção: "Tenho que gritar, tenho que arriscar, ai de mim se não o faço. Como calar se tua voz arde em meu peito". Paulo não consegue mais viver sem fazer de sua vida um ardoroso anúncio do Evangelho, um testemunho de sua fé, esperança e caridade. É impossível deixar de bradar pelo mundo afora, nas praças e nas ruas, nos lares e nas igrejas, de dia e de noite, que "Jesus Cristo é o SENHOR, para a glória de Deus Pai .” (Fl. 2,11).

E, exatamente esta é a reação de Paulo ao chamado de Jesus, "imediatamente", sem mais delongas. "Mãos à obra", sem hesitação, receio, sem meias-palavras, sem tibieza ou moleza. A V Conferência em Aparecida "deseja despertar a Igreja na América Latina e no Caribe para um grande impulso missionário. Não podemos deixar de aproveitar esta hora de graça. Necessitamos de um novo Pentecostes! Necessitamos sair ao encontro das pessoas, das famílias, das comunidades e dos povos para lhes comunicar e compartilhar o dom do encontro com Cristo, que tem preenchido nossas vidas de sentido, de verdade e de amor, de alegria e esperança”.

Somos testemunhos e missionários: nas grandes cidades e nos campos, nas montanhas e florestas de nossa América, em todos os ambientes da convivência social, nos mais diversos "areópagos" da vida pública, das nações, nas situações estremas de existência, assumindo ad gentes nossa solicitude pela missão universal da Igreja". (DAp 548)

2. PAULO - SEPARADO PARA O EVANGELHO DE DEUS

Paulo escreve aos Gálatas; "Quando, porém, aquele que me separou desde o seio materno e me chamou por sua graça, houve por bem revelar em mim seu Filho, para que eu o evangelizasse entre os gentios, não consultei carne nem sangue", (Gl. 1,15-16) Paulo usa a mesma linguagem das vocações profética do AT. Com isso, mais uma vez, põe em evidência, que tornar-se apóstolo não é iniciativa particular, pessoal, mas desígnio, obra, graça de Deus. Deus toma a iniciativa. É Ele quem chama e envia. "Desde o seio materno o Senhor me chamou, desde o ventre de minha mãe pronunciou o meu nome" (Is 49,1b).

A história da vocação de Jeremias (Jr 1,4-19) se repete na vida de Paulo, Deus conhece, consagra e constitui profeta. O verbo consagrar significa "Separar" do mundo, tirar das circunstâncias normais para uma pessoa e destinar para o ministério profético.

A reação de Jeremias é muito humana: "Eu não sei falar, porque sou ainda uma criança". O Senhor, porém, responde solenemente como o mandato "A quem eu te enviar, irás e o que te ordenar, falarás" Deus sabe do futuro de seu profeta, antevê as angústias e perseguições que sofrerá por causa deste mandato. É por isso que acrescenta: "Não temas diante deles, pois eu estou contigo para te salvar". Deus jamais abandona seu profeta.

A história de Paulo será semelhante a do profeta Jeremias. Sofrerá muito na missão para a qual Deus o separou e quase recebe do Senhor a promessa: "Certa noite, numa visão o Senhor, disse a Paulo: Não tenhas medo: continua a falar e não te cales, porque eu estou contigo..." (At. 18, 9-10).

"Eu estou contigo!". O apóstolo não é separado do mundo para ficar só. Não se trata em primeiro lugar de uma renúncia a tudo que o mundo oferece. É sempre o amor maior que vence! Deus nunca promete tirar todos os obstáculos, resolver todos os problemas, aplainar todos os caminhos. Deus simplesmente fala "Eu estarei contigo" e essa promessa do Senhor atravessa toda a Bíblia Sagrada.

Sempre quando o Senhor escolhe alguém para uma missão especial, a pessoa chamada ouve a promessa. Mas em todas as circunstâncias, ele sempre contará com a proximidade do Senhor. Moisés reclama: "quem sou eu para ir ao Faraó? Deus simplesmente responde: Eu estarei contigo".

Paulo, "separado para o Evangelho de Deus", nos fornece um relato de sua vida de Servo de Cristo Jesus, chamado a ser apóstolo". São Servos de Cristo" muito mais pelos trabalhos, pelas prisões, por excessivos açoites (2Cor 11,23-28).

O cristão suporta tudo, sem perder o entusiasmo, sem esfriar a paixão, não pode ser por outra coisa, a não ser a promessa do Senhor "Não tenhas medo; continua a falar e não te cales, porque eu estou contigo.." (At. 18,9-10).

(Adaptação do Texto de Dom Erwin Krautler refletido na 46ª Assembléia Geral dos Bispos do Brasil).


3. VOCAÇÃO DO/DA CATEQUISTA:

Profeta (aquele/la que fala em nome de Deus), porta-voz, arauto do Evangelho, a iniciativa sempre parte de Deus, portanto, o chamado a ser catequista, não é algo pessoal, mas obra divina, graça. A missão do catequista está na raiz da palavra CATEQUESE, vem do grego e quer dizer (fazer eco), logo, catequista é aquele/la que se coloca a serviço da Palavra, torna-se instrumento para que a Palavra ecoe. O Senhor lhe chama para que através da sua comunicação, da sua voz, a Palavra seja proclamada, Jesus Cristo seja anunciado e testemunhado.

"Fazer Ecoar a Palavra ", se dá num processo permanente da educação da fé, portanto a catequese é concebida como educação da fé, e o catequista é o educador da fé, o mistagogo, aquele/la que conduz para dentro do Mistério, que possibilita a experiência do encontro com Jesus, respeitando a individualidade, a realidade em que a pessoa se encontra.

Não é transmissor de idéias, conhecimentos, doutrina, pois sua experiência fundante está no ENCONTRO PESSOAL com a pessoa de Jesus Cristo. Essa experiência é comunicada pelo SER, SABER e SABER FAZER em comunidade (DNC 261). O ser e o saber do catequista, sustentam-se numa espiritualidade, da gratuidade, da confiança, da entrega, da certeza de que o SENHOR está presente, é fiel.

3.1) IDENTIDADE O DISCÍPULO MISSIONÁRIO SEGUNDO Mc 3, 14-15

Para ajudar a compreender e viver essa nova proposta para a formação de catequista há importantes referências inspiradoras no chamado ou convite de Jesus para o discipulado missionário, conforme o relato de Marcos 3,14-15 “Subiu à montanha, foi chamando os que quis, e foram com ele. Nomeou doze para que convivessem com ele e para enviá-los a pregar com poder para expulsar demônios”. Destacam-se cinco dimensões que, bem compreendidas e assumidas, podem revolucionar o modo de formar catequista no Brasil:

1) ENCONTRO: ser cristão não é simplesmente aceitar uma doutrina e ser fiel a determinadas normas, mas é seguir uma pessoa que nos atrai a si e conquista o nosso coração: JESUS DE NAZARÉ. É responder ao chamado de Jesus e colocar-se a caminho, seguindo seus passos, movido pela força de seu Espírito. É entrar na dinâmica processual do discipulado. Importância de uma catequese querigmática, que suscita o ENCANTAMENTO e faz arder o coração.
O seguidor deve reproduzir a estrutura fundamental da vida de Jesus: encarnação, missão, cruz e ressurreição e, ao mesmo tempo, atualizá-la, inspirado e animado pelo Espírito de Jesus e de acordo com as exigências do contexto em que vive. O itinerário de Iniciação à Vida Cristã vai configurando e moldando a identidade cristã, conforme o mantra: “Até que Cristo se forme em vós, em mim, em ti, em nós” – Gl 4,19

2) CONVERSÃO: É a resposta inicial de quem escutou o Senhor com admiração, crê nele pela ação do Espírito, decide ser seu amigo e ir após ele, mudando sua forma de pensar e viver, aceitando a cruz de Cristo, consciente de que morrer para o pecado é alcançar a vida. No batismo e no sacramento da reconciliação se atualiza para nós a redenção de Cristo.

3) DISCIPULADO: “nomeou doze para que convivessem com Ele”, é a relação entre Mestre e discípulo. Catequese é lugar privilegiado para levar o catequizando a colocar-se na escola do Mestre Jesus e assimilar seus ensinamentos, mais do que isso assumir uma postura de vida um MODO DE SER E VIVER. Dinâmica processual e transformadora que abarca todas as dimensões da realidade humana, com o objetivo de assimilar os ensinamentos de JESUS e tornar-se semelhante a ele, dando continuidade a sua missão.

4) COMUNHÃO: esse aspecto marca o desejo de partilhar com outras pessoas essa graça extraordinária da experiência de estar e viver com o Senhor e, também de experimentá-lo comunitariamente com outros discípulos missionários, na fraternidade, na alegria, na oração, no compromisso.

5) MISSÃO: os 12 escolhidos por Jesus poderiam se acomodar na felicidade de terem sido eleitos e de estarem usufruindo da convivência com o Mestre. A dimensão missionária é constitutiva do seguimento de Jesus. Cada discípulo atrai outros, para anunciar juntos a boa nova e depois fazer discípulos em todos os povos.

3.2) UM NOVO PERFIL DE CATEQUISTA PARA INICIAÇÃO CRISTÃ:

É necessário o acompanhamento na formação do catequista para a catequese iniciática. Não queremos mais pensar em uma formação como simples repasse de conceitos, alguém que repete o que ouviu nos cursos e congressos. Mas nosso horizonte maior será formar catequistas competentes, capazes de responder aos inúmeros desafios da nossa realidade atual. (DAp,n.12).

O catequista é um anunciador da Palavra de Deus. “Desconhecer a Escritura é desconhecer Jesus Cristo e renunciar a anunciá-lo”. (DAp, n.247). Será capaz de narrar com competência as obras do Deus Salvador nas Escrituras, das ações de Jesus Cristo nos Evangelhos e na nossa história de vida pessoal e da comunidade iluminados pelo Espírito Santo. É importante acentuar a centralidade do mistério pascal em nossa narração.

Formar para perceber e ler os sinais dos tempos. Criar a sensibilidade para perceber Deus atuando em nossa história de vida pessoal e também na comunidade de fé. O catequista terá a missão de olhar a realidade na perspectiva propositiva, com olhar crítico e ao mesmo tempo esperançoso. Não é um especialista em determinadas áreas, mas alguém que foi introduzido no Mistério Cristão, fez a experiência do encontro com o ressuscitado e que hoje, como discípulo, se coloca a serviço do Reino com uma grande abertura para se deixar guiar e iluminar pelo Espírito Santo com a missão de educar as futuras gerações à maturidade na fé.

O novo catequista procurará desenvolver um projeto de formação continuada e global, suscitando a conversão e o crescimento na fé. Itinerário sistemático e orgânico com a finalidade de educar à maturidade na fé e a transmissão da mensagem cristã.

Essa mensagem deverá ser gradual, focalizada sempre no essencial, a pessoa e os ensinamentos de Jesus Cristo, favorecendo a dinâmica do encontro e do discipulado. É importante acentuar também a capacidade do catequista de transmitir aos outros suas experiências de vida cristã.

3.3) CATEQUISTA MISTAGOGO:

MISTAGOGIA NO PROCESSO PEDAGÓGICO DA FÉ

A catequese mistagógica tem a função de anunciar com fervor o Kerigma (AT 8,30-31.334.35).
Anunciar Jesus Cristo vivo é uma tarefa que o batismo nos impõe. Descobrir os “novos areópagos” hoje se constitui num grande desafio para a catequese. É necessário voltar a anunciar JC em nossos ambientes. Trata-se de uma urgência pastoral: ou anunciamos Jesus Cristo novamente ou o mundo já não será mais cristão.

ANÚNCIO COMO MENSAGEM EVANGÉLICA/CRISTÃ: (DNC 97)

“Na catequese, quando se fala em conteúdo, pensa-se em geral na doutrina e na moral”. Mensagem é comunicação de algo importante. João Paulo II afirmou: “Quem diz mensagem diz algo mais que doutrina”. Quantas doutrinas de fato jamais chegaram a ser mensagem. A mensagem não se limita a propor idéias: ela exige uma resposta, pois é interpelação entre pessoas, entre aquele que propõe e aquele que responde. A mensagem é VIDA.

O termo mistagogia vem entrelaçado com o termo iniciação cristã. A mistagogia é vista como processo que conduz ao Mistério, logo INICIAÇÃO CRISTÃ é INICIAÇÃO AO MISTÉRIO.

Mistério: palavra grega (mystérion) usada no Novo Testamento para designar o plano de salvação que o Pai realizou em Cristo Jesus (Ef. 1,3-14), principalmente por sua Morte e Ressurreição, por conseqüência, mistério é tudo o que a Igreja realiza para manifestar e realizar essa salvação divina ao longo da história, sobretudo os sacramentos (a palavra latina sacramento é tradução da palavra grega mystérion). A iniciação cristã é sempre iniciação aos mistérios de Cristo Jesus e de sua Igreja, através, sobretudo, do exercício da vida cristã e da celebração dos sacramentos.

À semelhança da palavra pedagogo, o catequista mistagogo é aquele que introduz o catecúmeno ou catequizando nos mistérios da fé; todos os que trabalham no processo catecumenal são mistagogos: bispo, ministros ordenados, religiosas, catequistas, introdutores, família, pais, padrinhos....

A presença do mistagogo é um elemento essencial para a catequese de iniciação à vida cristã. Ele numa ação dialógica vai conduzindo o catequizando à mistagogia. A ação mediadora entre o mistério e o iniciante é que orienta o processo mistagógico.

O catequista-mistagogo apropria-se da cultura pedagógica da iniciação, pois não entramos no MISTÉRIO através do saber, do conhecimento, o mistério resiste à representatividade, às explicações, se apaga no segredo. No entanto, a gente se deixa penetrar por ele e nele. Não se entra, portanto no mistério. È se INICIADO nele. Que condições a iniciação poderia ser um caminho pedagógico possível e fecundo numa sociedade que não é mais iniciadora, em que se banaliza o sagrado, e a sacramentalização ainda é imperante.

Pela Comissão: Ir. Zélia M.Batista, CF
catequeseebiblia.blogspot.com

FREI CARLOS MESTERS

Para homenagear as Vocações Consagradas, que festejamos neste primeiro domingo de agosto, nada como falar de alguém que dedicou e dedica ainda, sua vida a esta tão nobre vocação.


Assim, não podemos deixar de falar um pouco do Frei Carlos Mesters, este nobre frade carmelita que sabe como ninguém, falar de Bíblia. Impensável fazer estudos bíblicos sem a mediação desse teólogo que recusa homenagens dizendo que: “Quem merece incenso é o povo”.

Carlos Mesters é frade Carmelita, doutor em Teologia Bíblica. É natural da Holanda e ligado à caminhada das Comunidades Eclesiais de Base, ajudou a criar o CEBI (Centro de Estudos Bíblicos). Escreveu, entre outros, Esperança de um povo que luta (São Paulo: Paulus, 1983), Com Jesus na contramão (São Paulo: Paulinas, 1995),Círculos bíblicos (São Paulo: Paulus, 2001),Paulo apóstolo: um trabalhador que anuncia o evangelho (São Paulo: Paulus, 2002),Bíblia: livro feito em mutirão (São Paulo: Paulus, 2002), Por trás das palavras(Petrópolis: Vozes, 2003), entre tantos outros. Frei Carlos Mesters foi assessor  na XII Assembléia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, que aconteceu de 5 a 26 de outubro de 2008, no Vaticano.

Neste ano, do dia 20 de outubro, Frei Carlos Mesters, completa 80 anos de vida. Grande parte dela dedicada aos estudos bíblicos e mais especificamente ao CEBI – Centro de Estudos Bíblicos que, para homenageá-lo, junto com a Província Carmelita Santo Elias, chegou mesmo a pensar num livro, já que Frei Carlos resiste a grandes e pomposas homenagens. A proposta do livro acabou sendo descartada, pois, o total de colaboradores e colaboradoras seria tal que mais de mil páginas seriam necessárias.

Assim, ainda com alguma resistência, Frei Carlos aceitou que se mensagens fossem enviadas através da internet, num espaço amplo e democrático, para que todas as pessoas pudessem participar. Assim pensou-se num blog, onde as pessoas que desejarem possam deixar mensagens de agradecimentos, congratulações e homenagens. Fotos e pequenos vídeos também poderão ser postados. Clique aqui e visite agora mesmo o Blog - Carlos Mesters 80 anos.

Frei Carlos Mesters é um dos Palestrantes convidados para I Congresso de Animação Bíblica de Pastoral que acontecerá em Goiânia –GO de 08 a 11 de outubro de 2011.

Algumas contribuições de Frei Carlos Mesters:

 “A riqueza deste método é que a leitura orante da Palavra de Deus provoca no povo um contato direto com a Bíblia, sem intermediários, num ambiente comunitário de fé, dentro da realidade do dia-a-dia da vida. Deste modo, vai nascendo um confronto entre Bíblia e Vida. A Bíblia se torna um espelho, no qual as pessoas descobrem dimensões mais profundas da sua própria vida que antes não tinham percebido. Você pergunta: “Qual o seu limite?”. Tudo o que é humano é limitado. Um limite aparece quando os participantes do Círculo Bíblico se fecham em si mesmos e esquecem a realidade da vida ao redor. Pois a Palavra de Deus não está só na Bíblia, mas também na Vida, na natureza, nos fatos, em tudo que acontece.”.

“Todas as hermenêuticas que ajudam o povo a descobrir a presença da Palavra de Deus na vida são importantes: a hermenêutica feminina, a negra, a indígena, a leitura que os pobres fazem da Bíblia, enfim, tudo que faz a gente olhar os textos com um olhar a partir da realidade das pessoas. Resumindo, acho importante seguir os três passos do método ou da hermenêutica que Jesus usou com os discípulos na estrada de Emaús. O primeiro passo: aproximar-se das pessoas, escutar sua realidade e seus problemas; ser capaz de fazer perguntas que as ajudem a olhar a realidade da vida com um olhar mais crítico (Lc 24,13-24). O segundo passo: com a luz da Palavra de Deus iluminar a situação que os fazia sofrer e os levou a fugir de Jerusalém para Emaús; usar a Bíblia para fazer arder o coração (Lc 24,25-27). O terceiro passo: criar um ambiente orante de fé e de fraternidade, onde possa atuar o Espírito que abre os olhos, faz descobrir a presença de Jesus e transforma a cruz, sinal de morte, em sinal de vida e de esperança. Assim, aquilo que antes gerava desânimo e cegueira, torna-se luz e força na caminhada (Lc 24,28-32). O resultado do uso da Bíblia é o de criar coragem e voltar para Jerusalém, onde continuam ativas as forças de morte que mataram Jesus, e experimentar a presença viva de Jesus e do seu Espírito na experiência de Ressurreição (Lc 24,33-35). O objetivo último da Leitura Orante da Bíblia ou da Lectio Divina não é interpretar a Bíblia, mas sim interpretar a vida. Não é conhecer o conteúdo do Livro Sagrado, mas, ajudado pela Palavra escrita, descobrir, assumir e celebrar a Palavra viva que Deus fala hoje na nossa vida, na vida do povo, na realidade do mundo em que vivemos (Sl 95,7); é crescer na fé e experimentar, cada vez mais, que “Ele está no meio de nós!”

(Trechos de entrevista concedida à Revista do Instituto Humanista Unisinos, em out/2008).